"Meu maior medo não é morrer sozinho, ainda que morrer sozinho, sem
visitas em um hospital ou sem pássaros num asilo, é tão triste quanto
uma pilha de discos de vinil para vender. Meu maior medo é viver sozinho
e não me acompanhar. Meu maior medo é ter um dia de aniversário por ano
para lembrar de que não nasci, de que estou "apenas olhando". Meu maior
medo é perder a curiosidade da solidão. Ficar com alguém para disfarçar
a espera, esquecendo do egoísmo de prender esse alguém de uma nova
chance. Meu maior medo é ser reconhecido por aquilo que poderia ser. Meu
maior medo é dizer sim para desistir depois, dizer não para querer
depois. Meu maior medo é não ser avisado pelo medo. Meu maior medo é
fingir que estou bem e me contentar em afirmar "o problema não é você,
sou eu" em cada fim de relacionamento. E não acreditar nisso, seguir
sendo o problema dos outros para me livrar de meu problema. Meu maior
medo é viver sozinho e não ter fé para receber um mundo diferente e não
ter paz para se despedir. Meu maior medo é almoçar sozinho, jantar
sozinho e me esforçar em me manter ocupado para não provocar compaixão
dos garçons. Meu maior medo é ajudar as pessoas porque não sei me
ajudar. Meu maior medo é desperdiçar espaço em uma cama de casal, sem
acordar durante a chuva mais revolta, sem adormecer diante da chuva mais
branda. Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê enquanto tomo
banho. Meu maior medo é conversar com o rádio em engarrafamento. Meu
maior medo é enfrentar um final de semana sozinho depois de ouvir os
programas de meus colegas de trabalho. Meu maior medo é a segunda-feira e
me calar para não parecer estranho e anti-social. Meu maior medo é
escavar a noite para encontrar um par e voltar mais solteiro do que
antes. Meu maior medo é não conseguir acabar uma cerveja sozinho. Meu
maior medo é a indecisão ao escolher um presente para mim. Meu maior
medo é a expectativa de dar certo na família, que não me deixa ao menos
dar errado. Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra e
faltar uma companhia para concordar comigo. Meu maior medo é que a
metade do rosto que apanho com a mão seja convencida a partir com a
metade do rosto que não alcanço. Meu maior medo é escrever para não
pensar."
(Fabrício Carpinejar - Pais e filhos, maridos e esposas II )
#Boa semana ! : ) (gostaram do novo visual do blog? , ainda falta muitas coisas)
(Fabrício Carpinejar - Pais e filhos, maridos e esposas II )
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:X
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